quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Entre o Mar e a Céu


No princípio de tudo, as coisas todas do mundo eram unidas num bolo só. E entre as amizades mais verdadeiras e mais confidentes estavam o Mar e a Céu, que só andavam juntos, só nadavam juntos, só voavam juntos, só aprontavam juntos, desde os tempos de mulequice,desde a época em que eram poucas gotas e poucas nuvens. Mas eles foram crescendo, tomando dimensões antes não mensuráveis, ganharam o direito do infinito – que até então era para poucos – e de tão juntos, chegavam a parecerem espelhos, e os olhos despidos de qualquer mortal podiam jurar que eram um só, já que em algum momento se uniam de tal forma...que nem saberia relatar.

Mas, enfim, o que me trás a essas não prolongadas linhas, foi o fatídico dia em que Seu Mar e Dona Céu resolveram farrear, resolveram sair de seus cômodos lugares de mansidão e darem uma volta pela noite fria do universo. Beberam demais, dançaram demais, perderam a hora e despertaram a fúria de Deus – é bem verdade que Deus não fica lá furioso, mas na falta de melhor palavra que definisse o sentimento Dele naquele momento, e até para dar uma conotação mais dramática e impactante a essa história, o narrador optou por fúria mesmo. Amanheceu, dia nublado, águas revoltas, há quem pensasse em fim do mundo, mas era ressaca mesmo. Deus chamou os réus e de maneira precisa e irrevogável deu o seu parecer: “Falta a vocês dois humanidade, falta sentir na pele- literalmente- as mazelas e os perigos dos dias e dos erros, falta o sofrimento da eternidade retraída. Por tal motivo puno-lhes retirando uma fatia de tamanha imensidão e dando-lhes roupas de homem.”


Vinte e cinco por cento do mar do mundo, agora, se concentram nele, enquanto os vinte e cinco por cento do céu se concentram nela – empreitada ainda mais difícil já que é mulher e suporta o infinito em apenas um metro e meio e uns quarenta e cinco quilos. Mas essa foi à tarefa, diria com todo respeito, menos bem sucedida do nosso Senhor, eles se encontraram na Terra, eles se reconheceram em silêncio e o que era pra ser castigo, virou uma possibilidade diferente de se amar. E eles se amaram. E eles se amam. E continuam – agora com uma freqüência ainda maior- perdendo as noites e rebulindo o universo.


E como eu sei disso?


Esse narrador que vos fala teve a possibilidade de se deitar entre eles, numa dessas tão proveitosas festas que fazem a noite passar tão rápida como uma menina que corre ao encontro do braço, abraço, de um pai.


E acredite, é bem verdade, no alvorecer do outro dia parecia o fim do mundo. Mas era ressaca mesmo.

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